Segundo o IBGE, o Brasil tem hoje cerca de 10 milhões de surdos. E surdez não significa incapacidade. Portanto, este público circula por todos os lugares: escolas, universidades, eventos sociais, empresas, instituições públicas e privadas. Mas, para que essa inserção realmente aconteça, os surdos ainda dependem da intervenção de um profissional que vem sendo cada vez mais procurado em todo o país: o tradutor ou intérprete da Língua Brasileira de Sinais, também conhecida como Libras.
Considerada a segunda língua oficial do Brasil há mais de dez anos, Libras é uma linguagem essencialmente visual, com o uso de gestos que definem as expressões. Ao contrário do que muita gente pensa, ela não é uma simples transposição do português para as mãos e o corpo. É uma língua dinâmica como qualquer outra, que tem suas gírias e até seus dialetos. O uso de Libras como língua oficial padronizou a comunicação com a comunidade surda em todo o território nacional.
Hoje a maior demanda por intérpretes ainda é nas escolas e universidades, mas o mercado para estes profissionais não para de crescer. Além da inclusão escolar, há uma série de outras leis que buscam inserir o surdo na sociedade. Dependendo do porte, as empresas têm que destinar uma porcentagem das suas vagas a deficientes. Além disso, a transmissão de informações como em campanhas eleitorais, alguns tipos de propagandas e eventos precisam obrigatoriamente ser traduzidas para os surdos.
Mas ainda há um imenso campo a ser explorado. Hospitais, prefeituras, delegacias, supermercados, centros de formação de condutores, concursos públicos, são inúmeros os espaços frequentados pelos surdos que requerem a presença de um tradutor. Rosana Gomes Jacinto Canteri hoje é professora de Libras no Instituto Federal Catarinense (IFC). Ela se interessou pela língua há nove anos, quando resolveu ser tradutora voluntária em um grupo de jovens da igreja. “Eu fazia porque gostava e de repente descobri que podia ganhar dinheiro com isto”, conta.
Rosane já perdeu a conta do quanto já fez a diferença na vida de pessoas surdas. De consultas médicas a provas para a Carteira Nacional de Habilitação, ela sempre é chamada. “Já acompanhei um surdo durante um tratamento psicológico inteiro”, conta.
Há (muitas) vagas
A profissão de tradutor de Libras está regulamentada desde 2010. A partir de 2015, para ser considerado tradutor profissional, será exigida formação superior em Letras/Libras. Por enquanto, quem não tem o diploma ainda pode fazer um teste de proficiência do Programa Nacional para a Certificação de Proficiência no Uso e Ensino da Língua Brasileira de Sinais, o Prolibras. Esta certificação é validada pelo Ministério da Educação e garante que o profissional está seguindo o padrão. Além disso, há também um código de ética que deve ser respeitado.
Hélio Maciel Gomes é coordenador adjunto do Pronatec, o Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego, e também é o responsável pelo Campus Brusque do IFC, onde está sendo oferecido um curso técnico de Libras. As aulas acontecem duas vezes por semana das 18h30min às 22h. “Há uma falta muito grande destes profissionais. Para se ter uma ideia, abrimos dois editais com bons salários e não encontramos pessoas para preencher as vagas”, conta.
A psicopedagoga Clarice Kohler é aluna deste curso. Ela coordena a sala multifuncional de uma escola regular e inicialmente a ideia era estar preparada caso precisasse atender um aluno surdo. Mas hoje, ela vê possibilidades com a nova qualificação profissional e faz planos. “Ainda estou no nível básico, mas quando me sentir preparada pretendo atuar como intérprete em eventos”, afirma.
Em média estes profissionais cobram R$ 30/hora para atendimentos individuais como salas de aula, consultórios, provas, e R$ 100/hora em eventos como palestras, custo que não pode ser repassado ao surdo. Há ainda os concursos públicos que cada vez mais abrem vagas para intérpretes com bons salários e planos de carreira de acordo com a qualificação profissional e o tempo de serviço.
Do outro lado desta realidade estão Jucele Cunha, 33 anos, e Érika Vanessa Ribeiro Mattos, 31. Surdas, hoje as duas são professoras de Libras do IFC. Jucele também trabalha em uma indústria que contratou um intérprete para atuar dentro da empresa. Érika é funcionária da secretaria municipal da Educação. As duas acreditam na expansão do mercado para intérpretes no Brasil. Até porque, elas fazem valer seus direitos. “Sou brigona mesmo. Todo lugar onde chego, exijo a presença de um intérprete”, conta Érika, que é formada em Letras/Libras e cursa pós-graduação na área.
Porém, muitas vezes isto é um dilema. Luciane Barcellos de Almeida é representante da Secretaria Nacional de Promoção dos Direitos da Pessoa com Deficiência. Ela percorre os estados de Santa Catarina e do Rio Grande do Sul para apresentar o Plano Nacional Viver Sem Limite, do Governo Federal, que planeja e incentiva ações para a inclusão em diversas áreas. Não são poucas as cidades em que Luciane não encontra um intérprete para as suas palestras. “Imagina como eu me sinto ao saber que não consigo me comunicar com o público para o qual este plano é desenvolvido”, comenta. “O Brasil tem uma carência enorme destes profissionais. Está sobrando vagas para intérpretes de Libras”, confirma.
Qualificação
Diversas universidades públicas oferecem o curso de graduação em Letras/Libras, tanto bacharelado como licenciatura. Um dos mais conhecidos é o da Universidade Federal de Santa Catarina, primeira instituição a oferecer a modalidade à distância deste curso (
http://www.libras.ufsc.br/). Há ainda as iniciativas das associações locais que promovem cursos técnicos. Uma das entidades mais representativas é a Federação Nacional de Educação e Integração dos Surdos, a Feneis (
http://www.feneis.org.br), com sede no Rio de Janeiro unidades regionais outras seis capitais brasileiras. Seu objetivo é justamente disseminar o conhecimento de Libras pelo país.